Construindo a ponte entre a tradição Navajo e o catolicismo

Por Teresa Rojo Tsosie

Antes de começar minha reflexão pessoal sobre Santa Kateri Tekakwitha, gostaria de me apresentar em Navajo. Nessa minha tradição, é costume apresentarmos nossos clãs. O sistema de clãs foi criado pela Mulher Mutante. Ela queria que nós, como Dine, pudéssemos ter uma família, não importa para onde fôssemos neste lugar que chamamos de Mãe Terra.

Olá! Sou Teresa Rojo Tsosie. Sou mexicana e nasci no clã Ovelha Negra. Vivo na cidade de Tuba City, Arizona, que fica na Reserva Navajo. Atualmente sou assistente pastoral da minha paróquia católica de São Judas. Também sou a líder do Círculo Kateri. Esses círculos são grupos de fiéis católicos/não católicos que têm devoção a Santa Kateri Tekakwitha. Uma vez por ano, os membros desses círculos se reúnem na Conferência Tekakwitha.

Ao refletir sobre a minha jornada pessoal e/ou relacionamento com Santa Kateri Tekakwitha, acredito que ela sempre me guiou no meu relacionamento pessoal de fé. Crescer indígena e católica foi relativamente “fácil” durante a maior parte da minha vida, mas à medida que fui ficando mais velha e que a descoberta das valas comuns de indígenas no Canadá e nos Estados Unidos se tornou notícia nacional e mundial, eu me vi numa encruzilhada.

Santa Kateri Tekawitha foi a primeira santa católica indígena norte-americana. Ela nasceu em 1656, na aldeia Mohawk de Osserneon. Aos quatro anos contraiu varíola, que deixou seu rosto com cicatrizes graves. Com toda a família sucumbindo à varíola, ela foi morar com o tio, que era cacique dos Mohawks. Aos 19 anos, Kateri se converteu ao catolicismo, fazendo voto de castidade e prometendo entregar sua vida a Jesus. É claro que essa decisão não foi bem-vinda pelos moradores da aldeia em que ela vivia. Começaram os rumores de que ela praticava bruxaria. Para evitar a perseguição, ela foi para uma comunidade cristã indígena em Montreal. Em dezembro de 2011, após o testemunho de um menino cuja infecção foi curada por intercessão de Kateri, o Papa Bento XVI a reconheceu como santa. Ela foi canonizada em outubro seguinte.

Sendo eu uma pessoa identificada com as duas tradições, é difícil não ver os dois lados do conflito. Um momento que me marcou profundamente foi quando assisti ao filme Indian Horse (lançado em português com o título “Espírito Indomável”), que recomendo a todos que lerem esta reflexão. O filme conta a história dos internatos católicos no Canadá e um menino indígena que encontrou consolo jogando hóquei no gelo. Infelizmente ele foi abusado, e o filme mostra as consequências desse abuso. Depois do filme, minha grande amiga na época me perguntou como eu me sentia, pois ela sabia que eu era católica. Eu disse a ela que estava bem porque, por algum motivo, sempre tinha conseguido separar as duas coisas: o abusador e o padre. Aquele não era um homem de Deus proclamando a boa nova do evangelho, mas alguém que fazia as coisas por motivos egoístas. Nestes tempos de conflito e luta por ser indígena e católica, sempre recorro a Santa Kateri. Muitas vezes me pergunto  como isso foi difícil para ela, sabendo que ela tinha esse profundo amor pela Eucaristia, mas queria fazer parte da sua cultura indígena tradicional.

Santa Kateri Tekakwitha é a santa padroeira da Ecologia, e acredito que é perfeita para isso. Quando nós, indígenas, somos crianças, sempre somos ensinados a cuidar da mãe terra, e ela cuidará de nós em troca. Quando me procuraram para ajudar a criar o programa “Wholemakers” junto com outras três mulheres INCRÍVEIS, agarrei a oportunidade, não só por ser mulher, mas porque não dá para deixar de levar em consideração o impacto que os indígenas têm na espiritualidade ecológica. Não é possível fazer nada que envolva a Laudato Si’ sem a participação de um/a indígena.

Ao ajudar a criar esse programa, ele me aproximou não apenas da minha fé católica, mas também da minha tradição Navajo. Ele realmente me ajudou a preencher a lacuna entre ser Navajo e católica. Frequentemente, muita gente nos círculos católicos me diz: “Você não pode ser os dois. Uma coisa vai prejudicar a outra”. Quando me vejo no meio dessa luta, converso com minha irmã em Cristo, Santa Kateri Tekakwitha e peço a ela que me dê sua orientação e força. Ela caminha comigo todos os dias, pois sou a prova de que é possível  ser indígena e católica ao mesmo tempo. Não existe concessão ou conflito. É possível ser fiel à nossa fé católica e ainda assim ter uma forte conexão com sua cultura indígena.

Kateri muitas vezes é chamada de “lírio dos Mohawks” por causa de sua bondade, oração, fé e sofrimento heróico. Isso também se aplica a Jesus Cristo, e a como cada um de nós se esforça para viver a fé como Jesus viveu. No meu caso, não me esforço apenas para viver minha fé católica como Jesus, mas também como Kateri Tekakwitha. Sua força e amor por Jesus devem ser levados em consideração por cada um de nós, e em tudo o que fazemos! Somos lembrados do sofrimento de Cristo todos os domingos na missa. Sem sofrimento, como nos aproximamos da nossa fé? De Deus? Do próximo? Olhe para sua própria jornada de fé e veja como você pode se relacionar com Santa Kateri Tekakwitha, de que maneira ela pode ajudar você a estar mais perto de Jesus Cristo ou cuidar da Mãe Terra.

A minha história pessoal e amor por Santa Kateri Tekakwitha são coisas que nunca poderei explicar totalmente. Ela me orientou, junto com as mulheres da minha família, a ser a forte mulher indígena mexicana que sou hoje. Conhecer Kateri Tekakwitha é me conhecer. Sem ela me guiando, eu não teria força ou coragem para contar minha história cada vez que me pedem. Agradeço a ela todos os domingos por me ajudar. E para aqueles que estão lendo este texto, peçam a intercessão de Santa Kateri Tekakwitha em suas orações. Olhem para ela quando se encontrarem numa encruzilhada em relação à fé ou quiserem cuidar mais da criação. Para que a Mãe Terra nos cure e cuide de nós, precisamos cuidar dela. 

Ahéhee (Obrigada!)

Meus irmãos e irmãs, Deus abençoe vocês!

Teresa Rojo Tsosie vive atualmente em Tuba City, Arizona, na Reserva Navajo, e é membro do povo Navajo. É assistente pastoral em sua paróquia de São Judas e gerente de comunicação na diocese de Gallup. Além disso, Teresa é consultora da Catholic Climate Covenant (Aliança Católica pelo Clima), colabora com o trabalho junto a jovens adultos do grupo Journeying Together, e participa de vários conselhos de leigos da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos.